sábado, 21 de novembro de 2009

Thiago de Mello

Conhecido como poeta da Amazônia, Thiago nasceu em 1926 e vive em Barreirinhas no Amazonas. Vamos começar então, “ouvindo” um pouco da poesia de Thiago:

Filho da floresta, água e madeira

Filho da floresta,
água e madeira
vão na luz dos meus olhos,
e explicam este jeito meu de amar as estrelas
e de carregar nos ombros a esperança.

Um lanho injusto, lama na madeira,
a água forte de infância chega e lava.

Me fiz gente no meio de madeira,
as achas encharcadas, lenha verde,
minha mãe reclamava da fumaça.

Na verdade abri os olhos vendo madeira,
o belo madeirame de itaúba
da casa do meu avô no Bom Socorro,
onde meu pai nasceu
e onde eu também nasci.

Fui o último a ver a casa erguida ainda,
íntegros os esteios se inclinavam,
morada de morcegos e cupins.

Até que desabada pelas águas de muitas cheias,
a casa se afogou
num silêncio de limo, folhas, telhas.

Mas a casa só morreu definitivamente
quando ruíram os esteios da memória
de meu pai,
neste verão dos seus noventa anos.

Durante mais de meio século,
sem voltar ao lugar onde nasceu,
a casa permaneceu erguida em sua lembrança,
as janelas abertas para as manhãs
do Paraná do Ramos,
a escada de pau-d’arco
que ele continuava a descer
para pisar o capim orvalhado
e caminhar correndo
pelo campo geral coberto de mungubeiras
até a beira florida do Lago Grande
onde as mãos adolescentes aprendiam
os segredos dos úberes das vacas.

Para onde ia, meu pai levava a casa
e levava a rede armada entre acariquaras,
onde, embalados pela surdina dos carapanãs,
ele e minha mãe se abraçavam,
cobertos por um céu insuportavelmente
estrelado.

Uma noite, nós dois sozinhos,
num silêncio hoje quase impossível
nos modernos frangalhos de Manaus,
meu pai me perguntou se eu me lembrava
de um barulho no mato que ele ouviu
de manhãzinha clara ele chegando
no Bom Socorro aceso na memória,
depois de muito remo e tantas águas.

Nada lhe respondi. Fiquei ouvindo
meu pai avançar entre as mangueiras
na direção daquele baque, aquele
baque seco de ferro, aquele canto
de ferro na madeira — era a tua mãe,
os cabelos no sol, era a Maria,
o machado brandindo e abrindo em achas
um pau mulato azul, duro de bronze,
batida pelo vento, ela sozinha
no meio da floresta.

Todas essas coisas ressurgiam
e de repente lhe sumiam na memória,
enquanto a casa ruína se fazia
no abandono voraz, capim-agulha,
e o antigo cacaual desenganado
dava seu fruto ao grito dos macacos
e aos papagaios pândegas de sol.

Enquanto minha avó Safira, solitária,
última habitante real da casa,
acordava de madrugada para esperar
uma canoa que não chegaria nunca mais.

Safira pedra das águas,
que me dava a bênção como
quem joga o anzol pra puxar
um jaraqui na poronga,
sempre vestida de escuro
a voz rouca disfarçando
uma ternura de estrelas
no amanhecer do Andirá.

Filho da floresta, água e madeira,
voltei para ajudar na construção
do morada futura. Raça de âmagos,
um dia chegarão as proas claras
para os verdes livrar da servidão.

Voltando do Amazonas

Este post dá início a alguns relatos sobre minha viagem ao Amazonas. Atenção, foram apenas poucos dias e não uma expedição. Estive em Manaus a trabalho, muitos anos atrás, e só agora pude voltar como turista. As informações foram coletadas antes, durante e depois da viagem e espero não ter cometido muitos erros. A ideia é registrar algumas informações para uso pessoal (a memória anda curta) e, quem sabe, despertar em outros o interesse pela região. Segundo a observação do pessoal do turismo, estamos começando a descobrir a Amazônia. Hoje 50% dos turistas é do Brasil, enquanto até pouco tempo atrás este índice não chegava a 30%. Como exemplo, eu que há mais de dois anos buscava companhia para ir até lá, finalmente encontrei minha queria sobrinha Silvana também interessada. Ou seja, numa conta esquisita, a procura dobrou! Importante dizer que a viagem foi organizada pela Viverde Turismo, empresa local, muito profissional e de atendimento supersimpático. Foi tudo combinado e acertado com o Ricardo. Recomendo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Amazônia



Minha "próxima missão", parafraseando minha amiga Aninha, umas das três ilustres e formais seguidoras deste blog, é a Amazônia. Manaus e hotel de selva próximo a Novo Airão ........ vou sábado .....



terça-feira, 3 de novembro de 2009

Maria e Sri

O Sri Lanka é uma ilha no sul da Índia antigamente chamada Ceilão. Bem, quando eu era criança chamava-se Ceilão e eu adorava aprender os nomes dos países e suas capitais. Na verdade, atormentava os que estavam próximos com brincadeiras de perguntas e respostas, tais como:

- Capital do Ceilão?
- Colombo!

Gente, mudou. Colombo continua como a capital comercial, mas a capital política é Kotte (na verdade Sri Jayawardenapura-Kotte, para quem conseguir falar).

Os nascidos por lá são cingaleses, com C, por favor. A propósito, são cerca de 20 milhões de habitantes. Eles vivem num sistema de castas e fisicamente são semelhantes aos indianos, mas a religião predominante é o budismo e não o hinduísmo.

E por que estou falando do Sri Lanka? Porque minha amiga Maria caiu de encantos por um cingalês. Vou chamá-lo de Sri.

Sri é nascido em uma família de casta superior, mas sem poder econômico. São produtores rurais. Lá é uma honra para qualquer família ter um filho monge, assim como no Brasil de nossos pais ou avós era fonte de orgulho ter um filho padre ou que, pelo menos, tivesse sido seminarista. Assim, Sri foi para o monastério aos 9 anos e só saiu aos 24 !!!!!!!! Só que ele não tinha vocação para a vida monástica, se sentia oprimido e fugiu para a Inglaterra onde completou seus estudos. Parece que isto é relativamente comum por lá. Um dos amigos de Sri, por exemplo, saiu do monastério nas mesmas circunstâncias e hoje ensina sânscrito em uma universidade alemã. Depois de alguns anos, Sri retornou ao seu País, foi perdoado pela família e hoje trabalha em um organismo internacional.

Maria, minha querida amiga, conheceu Sri nas teias da área acadêmica na qual os dois militam. A título de curiosidade, Maria é loura, mas é doutora. Eu sou morena e larguei o mestrado. Definitivamente, embora seja curiosa, goste de estudar e aprender não tenho vontade de seguir a carreira acadêmica. Maria tem a academia na alma. Então, mesmo sem o rigor do método científico, arrisco dizer que "loura burra" é uma hipótese falsa.

Depois de muita conversa via e-mail e skype, Sri aterrizou no Brasil. Os primeiros dias foram difíceis, afinal culturas completamente diferentes não se encontram assim, assim. Mas havia uma viagem programada e lá foram eles. A programação incluía, além de Brasília, Salvador, Rio, Rio-Santos e São Paulo. E não é que Sri se revelou ?!?!?!?!

Em Salvador, o Olodum Mirim deixou nosso “quase monge” enlouquecido. No Rio de Janeiro fotografou tantas mulatas no ensaio da Beija-Flor, que Maria ficou preocupada e enciumada. Em Paratii, tirou Maria para dançar em plena praça! Esse Sri, hein!!!!!!!!! Ele só não se mostrou totalmente integrado quando apareceu uma barata no quarto de hotel de Paratii:

- Maria (em pânico): “Sri, tem uma barata, uma cucaracha na cama ao lado! Ai, Meu Deus, cucaracha é espanhol, como é mesmo barata em inglês? (já desesperada) Tem um inseto aqui!!!!!!!”
-Sri (suavemente): “Maria, não devemos matar seres vivos.”
-Maria (nervosa): “Homens no Brasil matam insetos! É papel masculino!”
-Sri: “Deixe ela ir.”

Maria só conseguiu dormir depois que a barata, a cucaracha, a cockroach, tanto faz, desapareceu e ela embrulhou-se como pode no lençol e no próprio Sri! Talvez tenha sido o maior choque cultural de toda a viagem!

E Sri embarcou de volta para o Sri Lanka........... Maria ainda não sabe se irá até lá. Sri pensa em passar uns tempos por aqui estudando português. Como dar seguimento a este romance transcultural, transcontinental, transoceânico?


segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A vida em 5 frascos


Dentre tantas imagens que recebemos por e-mail, gostei desta. Isto é que é poder de síntese. Embora prefira bebidas fermentadas, me sinto no terceiro frasco. E você?

domingo, 25 de outubro de 2009

Manutenção


Algumas palavras me provocam arrepios muito bons, por exemplo, viagem e namoro. Mas outras me provocam arrepios de ojeriza, por exemplo, MANUTENÇÃO.

Nosso amigo Aurélio define que são “as medidas necessárias para a conservação ou a permanência de alguma coisa ou de uma situação” e “os cuidados técnicos indispensáveis ao funcionamento regular e permanente de motores e máquinas”. Faltou dizer que são as atividades que mais nos tomam tempo e nos aborrecem.

Meu carro é até novo, mas precisa fazer revisão, calibrar os pneus, olhar a água, olhar o óleo, lavar, abastecer.

Se o campo é informática prepare-se, pois é muito bom quando funciona, mas um terror quando dá problemas. Atualizou os programas? Pode começar a reconfigurar tudo! Trocou de provedor? Atenção ... perigo. A assinatura do antivírus acabou? Corra, ou então, nada de compras via internet ou acesso bancário. Acabou a tinta da impressora? Como vou imprimir meu tíquete de viagem ou meu check-in! Quer uma informação urgente? Site em manutenção.

E a manutenção pessoal! E nem sou muito vaidosa. No cabeleireiro, ou não gostamos do corte ou a tinta ficou mais escura ou a progressiva queimou as orelhas. Na manicure a cutícula não foi bem tirada ou a cor não combina. Após a depilação, os pelos sempre encravam. Sobrancelhas tortas ou com falhas? Acontece quase sempre. Massagem é tudo de bom se for para relaxar, mas se o objetivo for estético, prepare-se para sofrer ou ficar como um dálmata: cheia de manchinhas. E malhar? Sem comentários! Lembra manutenção do peso.

Se você tem filhos pequenos ou pais idosos. Não vou me estender. A lista não caberia neste blog .....

E a saúde física? E olha que eu, Graças a Deus, só faço exames preventivos. Lá vem ginecologista, oftalmologista, endocrinologista, cardiologista, dermatologista, etc... E, me digam, por que os médicos não fazem mais nada sem um mundo de exames? Só quem já fez uma mamografia sabe o quando é sofrido. Saúde mental? Outra lista .... Ah, ia me esquecendo: você já ouviu alguém dizer feliz, feliz: vou ao dentista!

E continuando, lá vem a empregada;

- D. Luisa a máquina de lavar tá fazendo um barulho estranho.
- Hum ...
- É, barulho muito esquisito. Ah, a corda do secador também tá com problema. Tá quase arrebentando.
- Humm ...
- A senhora podia chamar o eletricista? O interruptor do quarto quebrou e a lâmpada queimou. Aquela difícil de comprar e trocar.
- Hummmm ...
- Se passar no mercado, não esquece do saco do aspirador de pó. Ele acabou desde a semana passada.
- Hummmmm ...
- Será que o eletricista entende de encanamento? A pia do banheiro tá entupida.
- Hummmmmm ...
- Sabe a porta do armário do material de limpeza. Pois é, tá emperrando. Muito difícil de abrir e fechar.
- Hummmmmm ...
- Hoje quase não consegui ouvir o Padre Marcelo. O rádio não tá pegando direito!
- Hummmmmm ...

SOCORRO!!!!!!! Já que não consigo viver sem carro, sem computador, sem cuidados estéticos, sem médicos ....... acho que vou demitir a empregada ........

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

As Belas Adormecidas


Estou com quatro bebês em casa. São mudas de acácia imperial, saboneteira, pau-ferro e pata-de-vaca. Uma de cada. Minha casa é um abrigo temporário, já que moro em um apartamento e elas precisam de espaço para um desenvolvimento sadio. Em dezembro elas irão para Minas Gerais. Crescerão na fazenda onde passei muitas de minhas férias. Estarão protegidas junto às suas irmãs, primas e tias na Mata Atlântica. Tenho certeza que será uma festa!

Nunca fui boa em reinos, classes, ordens, espécies etc e tal. Botânica e zoologia sempre foram pesadelos. Mas estou encantada com minhas mudinhas e levei um susto noites atrás. As folhas estavam, como dizer, “sem volume”. Aguei bastante. Duas horas depois elas estavam do mesmo jeito. Fiquei preocupada. Ao amanhecer corri para vê-las e estavam viçosas, cheias de saúde. E isto se repetiu por 3 dias e noites, até que percebi: as folhas da pata-de-vaca e do pau-ferro se aconchegam. Elas se fecham a noite. Minhas mudinhas têm folhas que dormem juntinhas!

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Brasília (quase cinquentona)



Sou da primeira geração de Brasília. Nasci aqui. Adoro viajar, conhecer pessoas e cidades, sejam elas metrópoles ou vilas. Mas a minha vida foi construída aqui e os comentários maldosos que fazem sobre Brasília me geram, no mínimo, grande desconforto. As pessoas misturam os escândalos políticos com a cidade. Embora ainda viva em grande parte do governo federal, Brasília já tem vida própria, com produção cultural e econômica. Não culpem os brasilienses pelas mazelas que assolam o País. Somos vítimas, tanto quanto os demais brasileiros, sejam do sul, sudeste, norte, nordeste ou centro-oeste. Os forasteiros que aqui chegam são enviados dos quatro cantos do País e não é justo que sejamos apontados e acusados por suas falcatruas e desmandos.


Quase 50 anos atrás, um Presidente da República decidiu transferir a capital do Brasil para o interior. Os operários que para cá vieram buscavam uma oportunidade de vida ou a utopia de construir uma cidade a partir do nada. O superfaturamento buscavam os que já usufruíam das benesses do poder. Eu sou fruto do sonho. Portanto, não me imputem a responsabilidade ou as mazelas que advieram do sonho de meus pais.

Outros criticam a estética da cidade. O que posso dizer aos que assim se pronunciam quanto à arquitetura de Niemeyer, ao planejamento de Lúcio Costa e à arte de Athos Bulcão, Bruno Giorgi, Alfredo Ceschiatti, Burle Marx, Alfredo Volpe e outros é que aprendi a respeitar e reconhecer arte, mesmo que não seja o meu estilo favorito.

Cidade fria, sem esquinas? Minha esquina é o comércio da superquadra, onde encontro a padaria, o sapateiro, o jornaleiro, o mercado, o salão de beleza, o boteco, o restaurante e até o apontador do jogo do bicho!


O clima é quente e seco em uma parte do ano, é verdade. Mas temos, também, um período chuvoso. E a natureza do Brasil Central é linda!

As fotos que ilustram este post são de Flávio Cruvinel Brandão, um economista com alma de artista, que tem buscado os ângulos mais belos da natureza por aqui. É uma pequena amostra do que vocês podem ver no álbum completo de Flávio clicando aqui.