Por que será que prendem os lençóis?
Perdoem-me, mas, os meus, vou libertá-los à força.
Caros lençóis, juntem suas tramas, travem suas fibras e...
Vapt, vupt...
Ah, como é bom descobrir os pés no verão e embrulhá-los no inverno...
Por que será que prendem os lençóis?
Com PH ácido e sem matinhos nas margens, surpreenda-se, não há pernilongos na região do Rio Negro. A água tem cor de chá preto, devido à decomposição da vegetação. Na seca existem praias de areia clara, contrastando com a cor da água do rio. Tive o privilégio de me banhar nestas águas e assistir a um pôr-do-sol magnífico. A noite pude observar, de dentro do barco parado no centro do rio, um céu deslumbrante. Foram momentos mágicos.
Visitei, às margens do Rio Negro, uma comunidade ribeirinha chamada Tiririca. Uma dentre várias que reúnem 70, 80 pessoas. Eles amam futebol e as festas acontecem geralmente em torneios. Como o Amazonas só tem times na 4ª divisão, pelo menos foi o que me disseram, eles torcem para times de fora e as comunidades são conhecidas pelo time que defendem. Na Tiririca eles são Flamengo. Os membros da comunidade são quase sempre aparentados, assim, as festas tem uma importante função social. É isso mesmo que você pensou: rola paquera, namoro e casamento, contornando o problema da consanguinidade. Do que eles vivem? Fazem farinha, tapioca, tucupi, vendem artesanato, tem criações de pequenos animais, como galinhas. Fazem, também, espetinhos de restos de madeira que são repassados aos ambulantes de churrasquinho em Manaus. Detalhe, o milheiro (que curiosamente tem em torno de 340 espetinhos) é vendido a R$ 3,50. Suas casas são suspensas, porque mesmo que a água não as atinja, as estacas protegem da umidade, de animais e ficam mais frescas. As crianças vão à escola sim, em barcos fornecidos pelas prefeituras.
Fiquei hospedada em frente ao arquipélago de Anavilhanas, estação ecológica transformada em Parque Nacional em 2008 e que tem mais de 400 ilhas. É o segundo maior arquipélago fluvial do mundo, só perdendo para o Arquipélago de Mariuá, em Barcelos, no Alto Rio Negro, que tem cerca de 700 ilhas. Muitas aves, cobras, jacarés, lontras, ariranhas, preguiças. Agora, se você quer ter certeza de avistar animais vá ao zoológico. A natureza brinca de esconde-esconde todo o tempo. Anavilhanas é uma área de floresta alagada, onde na cheia só as copas das árvores ficam visíveis e pode-se navegar sobre a floresta. Deve ser lindo, ainda volto na cheia. Fiquei triste com a fumaça e o cheiro de queimada que senti quando fomos de barco assistir ao nascer do sol em um dos lagos do parque. Um detalhe interessante é que, como a região está a apenas 3° da Linha do Equador, existe pouquíssima variação nos horários do nascer e do pôr-do-sol ao longo do ano.
Fiz duas trilhas durante minha estadia por lá, mas, como já falei em outro post (As belas adormecidas), não tenho familiaridade com botânica. Olho, gosto ou não da planta, mas não sei nomes, nem os populares. Então, não esperem de mim descrições sobre a flora amazônica. Andei na floresta, vi plantas especiais, como, por exemplo, uma madeira violeta linda, mas não sei nomes. Uma das poucas exceções é o pau d´alho. A denominação é autoexplicativa: ela exala um forte aroma de alho. Tem diversos usos, mas me chamou a atenção a fabricação de móveis. O odor da madeira afasta insetos e, se o cheiro diminui, lixando novamente o odor recende. Estou precisando de uns móveis assim aqui em casa. Imaginem que depois desta experiência amazônica sem uma picada de insetos, ao chegar em casa, em meia hora já havia sido “agraciada” com duas. Só preciso saber se o aroma afasta apenas os insetos ou os amigos também! Uma curiosidade: vocês sabem como é feito o curare? Os índios misturam duas plantas, dentre elas um cipó, e enterram esta química com um sapo que também é venenoso. O veneno é poderoso. Coloca-se na seta e atira-se com a zarabatana. Pimba! O inimigo cai morto!
Sobrevivência na selva? Ui! Ainda na trilha, comi um bichinho que gosta de habitar um coquinho. Acho que é uma larva de algum inseto. Nunca pensei que fosse capaz...quando você morde faz “ploc"...São estas rodinhas brancas sobre o tronco à esquerda da foto. Tem gosto de coco e é pura proteína. Ficou com nojo é? Atire a primeira pedra quem nunca comeu goiaba com bicho!
E eis que a programação incluía pescaria de piranha. Pensem numa coisa, digamos, chata...é pior....fazia um calor de cão e só consegui pescar uma!!!!!!!!! E mínima! Muito a contragosto, apresento a prova, ou melhor, as provas: de que pesquei a piranha e de que estou gorda. Triste decadência!
Agora, uma das melhores lembranças: os botos cor-de-rosa! Não sei se é correto o que é feito, mas é inesquecível estar junto destas criaturas incríveis! Em Novo Airão, em um restaurante muito, muito simples, eles vêm comer e nadar com a gente. É uma emoção única poder tocar e interagir com os botos! Para completar, depois do mergulho, fomos à Fundação Almerinda Malaquias, um projeto social interessantíssimo, que alia educação, geração de renda e sustentabilidade. Os artesãos produzem papel reciclado e peças com resíduos de madeiras de serrarias e estaleiros da região. São peças que mostram a fauna amazônica. E ainda fomos todos de mototaxi, inclusive um casal italiano com mais de 70 anos. Ainda bem que o homem não mergulhou, pois seus bigodes esconderiam os botos!
Não sei se é possível perceber na foto, mas este é o Curumim. Ele tem o bico torto e já é um senhor. Os dois primeiros a frequentar o "restaurante" foram ele e Ricardo. Hoje são dezesseis botos cor-de-rosa.
Prepare-se para um calor de derreter! Mas a população transforma tudo em calor humano! Os amazonenses são de uma simpatia e cortesia encantadoras. Nas ruas, nos taxis, nos hotéis, nas lojas todos são gentis, educados e estão sempre dispostos a ajudar e informar.
Impressionou-me, também, o turismo altamente profissional. Guias com conhecimento do que apresentam e fluentes em inglês, espanhol, francês, alemão. Alguém pode dizer que se não fosse assim os turistas estrangeiros, principais visitantes da região, não viriam. Eles viriam de qualquer forma, mas houve investimento em formação de mão de obra para o setor. Não sei se com o apoio do estado ou com esforço puramente pessoal, mas houve qualificação.
Quando estiver por lá, não deixe de visitar o Teatro Amazonas, o monumento que melhor representa a riqueza do período áureo da borracha. Bom, a riqueza dos barões da borracha. Os seringueiros, estes eram espoliados. Salve Chico Mendes, que trabalhou arduamente pela defesa da floresta e dos povos que a habitam! Mas, voltando ao teatro, ele foi inaugurado em 1896. São 700 lugares em uma estrutura metálica de ferro fundido. Quem executou ou encomendou a decoração e as obras de arte do teatro foi Crispim do Amaral, um pernambucano de nascimento que estudou em Paris. Foi Crispim quem pintou o pano de boca da sala de espetáculos, que representa o encontro das águas e sobe inteiro até a cúpula, sem ser amassado ou dobrado. A cúpula arrendondada é revestida com 36 mil peças de escamas em cerâmica esmaltada e telhas vitrificadas, importadas da Alsácia. Observe que as cores são as nossas cores, do Brasil. No teto central um lustre de bronze, circundado por alegorias à música, ao drama e à tragédia, além de uma homenagem a Carlos Gomes. O salão nobre é inteiramente revestido por painéis de Domenico Angelis, representando motivos regionais e ilustrações do romance O Guarany. Os portais são todos em mármore e o assoalho é um lindo trabalho de marchetaria confeccionado com madeiras da região. Os candelabros são de Murano.
No mesmo dia, visitei o antigo Quartel da Política Militar (ou Palacete Provincial) e a Praça da Polícia. Ambos passaram por um belo trabalho de restauração. O edifício do quartel abriga hoje, dentre outras atrações, a Pinacoteca do Estado, o Museu da Imagem e do Som e o Museu de Numismática. A Pinacoteca conta com o acervo Thiago de Mello, doação do poeta amazônico.
O porto de Manaus, projetado e construído pelos ingleses em 1902 para escoamento da produção da borracha, é uma obra de engenharia desafiadora, porque o desnível entre a enchente e a vazante pode chegar a 15 metros. A flutuação permite a atracação de embarcações em qualquer época do ano.
O Encontro das Águas é um fenômeno impressionante e um passeio clássico para os que vem a Manaus. Os rios Negro e Solimões correm juntos sem que suas águas se misturem por quilômetros. Ele acontece pelas diferenças de densidade, temperatura e velocidade das águas. Existe um movimento para que seja declarado patrimônio, já que a proposta de construção de um grande porto de contêineres na região o coloca em risco.
Não deixe de ir, também, ao Bosque da Ciência, que pertence ao Instituto de Pesquisas da Amazônia e é um santuário de plantas e animais amazônicos, dentre eles os peixes-boi da Amazônia ou de água doce. Mansos, com carne apreciada e reprodução lenta - apenas um filhote por gestação de um ano, eles entraram na lista de ameaçados de extinção. No Bosque, os animais resgatados são cuidados, passam por reabilitação e quando alcançam condições são devolvidos à natureza. Todo o processo está sob a responsabilidade do Laboratório de Mamíferos Aquáticos, que este ano devolveu dois exemplares aos rios. Pesquisa-se, também, a reprodução em cativeiro. Ali nasceu Erê, em 1998, o primeiro filhote concebido e nascido em cativeiro. Pois foi lá que dei mamadeira a um filhote. Pensem numa pessoa feliz, era eu! Foi uma emoção indescritível!