sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Lençóis

Por que será que prendem os lençóis?
Pobres lençóis, com as pontas sempre esmagadas pelo peso dos colchões.
Vivem subjugados.
Quanta opressão!
Perdoem-me, mas, os meus, vou libertá-los à força.
Caros lençóis, juntem suas tramas, travem suas fibras e...
Vapt, vupt...
Ah, como é bom descobrir os pés no verão e embrulhá-los no inverno...

domingo, 22 de novembro de 2009

Piraíba (lenda?!?!?!?!)

São diversas as lendas amazônicas. A mais conhecida talvez seja a do boto cor-de-rosa. Ao anoitecer ele se transforma num lindo homem, seduz as moças e volta ao rio de madrugada, quando reassume sua forma de “peixe”. Quando alguma moça aparece grávida sem que se conheça o pai, diz-se que ficou grávida do boto.

Mas o que quero contar aqui é a lenda da piraíba. Ou melhor, contar uma estória que ouvi por lá. A piraíba é um “bagre” enorme, podendo pesar até 300 kg. Diz-se que ele é capaz de engolir um homem.

Conheci um barqueiro com não mais de trinta anos, vou chamá-lo de José, que contou o seguinte:

- Meu pai foi-se quando eu tinha seis anos.

Num primeiro momento, entendi que o pai do rapaz havia morrido quando ele tinha seis anos. Mas ele continuou, dizendo:

- Durante muitos anos não soube de meu pai.

Aí percebi que pai do rapaz havia abandonado a família. E ele relatou o seguinte:

- Tempos atrás, encontrei um senhor que afirmava ter conhecido meu pai. Então perguntei seu paradeiro, ao que o homem respondeu que não adiantava procurá-lo, porque meu pai havia desaparecido no rio, devorado pela piraíba.

Fiquei pensando que este episódio marcou o ponto final de uma procura, de uma história pessoal doída, que ainda o fazia falar com a voz embargada pela emoção. Lenda? Quem sabe? São os mistérios da natureza e das crenças dos ribeirinhos.

Tropical Hotel

O Tropical Hotel Ecoresort foi um dos primeiros, senão o primeiro resort do Brasil. Inaugurado em 1976 e com mais de 500 apartamentos, o hotel tem até orquidário e zoológico. É um ícone da hotelaria nacional. Pena que está precisando urgente de reformas e mudanças. O estado dos banheiros é sofrível. Os quartos ou tem piso de carpete, nada conservado, ou de tábua corrida que range todo o tempo. O restaurante com buffet é bastante variado, mas a comida não é boa, pelo menos não estava no dia em que comi por lá. O serviço também deixa a desejar. Então, eu e Silvana resolvemos usar o serviço a la carte e pedimos um creme de mandioquinha e uma massa com molho de tomate. O primeiro parecia um mingau de fubá e o segundo veio com um molho que era puro extrato de tomate. Além do já descrito, sai caro sair do hotel. Como eles dizem a corrida é tarifada (R$ 49,00 quase todas as corridas). Assim, gasta-se R$ 100,00 (ida e volta) apenas com transporte para ir ao Teatro, ao Bosque da Ciência ou a restaurantes como o Choupana. Talvez a hospedagem no Tropical Business seja melhor, já que o hotel é novo. Ele tem uma piscina maravilhosa debruçada sobre o Rio Negro. Mas o ecoresort não recomendo!

Ponte sobre o Rio Negro


Por que um post separado para uma ponte? Bom, além de ser uma obra de engenharia importante, ela terá diversos impactos – ambientais, econômicos, sociais.

Primeiro vamos à travessia. As balsas demoram cerca de 1 hora para cruzar o rio. Elas são gratuitas para os pedestres, que, assim, as utilizam apesar de lentas. A alternativa dos barcos rápidos custa R$ 5,00 cada trecho. Para um trabalhador é muito caro. Atira-se de tudo no rio: garrafas, copos, palitos de picolé, cigarros, papéis. Fiquei preocupada também com a segurança, porque as pessoas não descem dos carros durante a travessia. Também não vi fiscalização.

A ponte é uma obra cara e ligará Manaus a três outros municípios amazonenses – Iranduba, Manacapuru e Novo Airão – com um total de 130.000 habitantes (dados do IBGE). Questiona-se se não seria melhor investir na melhoria dos portos e das balsas, o que demandaria muito menos recursos. A verdade é que a razão é puramente econômica. Manaus deverá crescer para o outro lado do rio, onde, também, está boa parte da produção que abastece a capital. A ponte facilitará o escoamento da produção de hortaliças e das olarias (tijolos, telhas e cerâmicas), já instaladas na região. Mas e as questões ambientais ou das populações tradicionais? Elas foram consideradas? Observando as margens da estrada, asfaltada a cerca de cinco anos e ainda sem a ponte, constatamos que ela facilitou a ocupação humana e vieram as queimadas, já que as famílias buscam a subsistência plantando mandioca ou criando gado em pequena escala. Estas visões acenderam uma luz vermelha em mim.

É justo uma turista de poucos dias julgar? A ponte dará conforto à população que precisa cruzar o rio para estudar ou trabalhar. A “batalha” diária daquelas pessoas, que muitas vezes dormem nas balsas e ônibus me sensibilizou. E fiquei balançada...será que não há um ponto de equilíbrio que proporcione mais conforto às populações, sem impactar negativamente o meio ambiente da região?

Anavilhanas Jungle Lodge



Não gosto da denominação “hotel de selva”. Prefiro “hotel de floresta”. Acho que, além de mais poético, reflete melhor o propósito dos hotéis e dos hóspedes de integração com a natureza. Mas o hotel escolhido chama-se Anavilhanas Jungle Lodge. Então, vamos a ele, porque recomendo com muitas estrelinhas.

O traslado é um pouco cansativo, mas nada que comprometa a magia da viagem. O hotel fica próximo ao município de Novo Airão. Primeiro faz-se a travessia de balsa do Rio Negro, em Manaus, e depois viaja-se em estrada de asfalto por mais 176 km. Os portos da travessia são precários, assim como as balsas – malcuidadas, sujas e nada cheirosas. Estão construindo uma ponte, objeto de muitas controvérsias (haverá um post só para ela). É possível ir de hidroavião, se você tiver dinheiro e quiser se aventurar em um monomotor sobre o rio e a floresta.

O lodge foi inaugurado em 2007, portanto é novo, e desde o mês passado faz parte da lista do Roteiro dos Hotéis de Charme. Hoje são apenas 16 apartamentos, o que permite um atendimento acolhedor. Estão construindo mais 10, com TV a cabo e banheira para atender a demanda estrangeira, e nada mais. Eles não pretendem se transformar em um resort com 300 quartos como o Ariaú. A decoração é rústica e de bom gosto, combinando perfeitamente com o ambiente. A piscina e o redário são uma delícia, os apartamentos são confortáveis, e receptivo, guias e barqueiros gentis e preparados.Afinal, onde você pensa que vai encontrar um guia italiano conhecido como Moreno, que faz focagem de animais e pescaria de piranhas? Ou um filho de indiano com índia ianomâmi chamado Krishna que se orgulha de já ter passado 41 dias na selva em treinamento de sobrevivência? E há outros exemplos, o staff é realmente diferente. A comida é simples, mas saborosa e, importante, sempre nos apresentando os sabores da região. Que tal um pirarucu (o bacalhau brasileiro), tucunaré, tambaqui ou baião de dois amazonense, acompanhados de banana pacovan, de arroz com jambu ou de tucuman. Vai um cheesecaboclinho (simpático nome do sanduíche de queijo, tucuman e banana pacovan)? Ou um suco de taperabá (igualzinho cajá)? E uma caipirinha de cupuaçu?

Os passeios são agradáveis e divertidos. Percebe-se claramente, também, a preocupação com o meio ambiente e a segurança. Na focagem avistamos martim pescador, garça, jacaré, preguiça, cobra, socó... impressionante os olhos treinados do Moreno. Ele passa a lanterna pelas margens e árvores e só vai apontando os animais. Simples assim!

Para quem tem medo de animais, pode acontecer de aparecer algum no quarto para te visitar, mas no meu caso só apareceu um grilo. Grande é verdade, mas sempre um grilo. E, importantíssimo, reiterando, não há pernilongos.



Rio Negro e Arquipélago de Anavilhanas



Com PH ácido e sem matinhos nas margens, surpreenda-se, não há pernilongos na região do Rio Negro. A água tem cor de chá preto, devido à decomposição da vegetação. Na seca existem praias de areia clara, contrastando com a cor da água do rio. Tive o privilégio de me banhar nestas águas e assistir a um pôr-do-sol magnífico. A noite pude observar, de dentro do barco parado no centro do rio, um céu deslumbrante. Foram momentos mágicos.


Visitei, às margens do Rio Negro, uma comunidade ribeirinha chamada Tiririca. Uma dentre várias que reúnem 70, 80 pessoas. Eles amam futebol e as festas acontecem geralmente em torneios. Como o Amazonas só tem times na 4ª divisão, pelo menos foi o que me disseram, eles torcem para times de fora e as comunidades são conhecidas pelo time que defendem. Na Tiririca eles são Flamengo. Os membros da comunidade são quase sempre aparentados, assim, as festas tem uma importante função social. É isso mesmo que você pensou: rola paquera, namoro e casamento, contornando o problema da consanguinidade. Do que eles vivem? Fazem farinha, tapioca, tucupi, vendem artesanato, tem criações de pequenos animais, como galinhas. Fazem, também, espetinhos de restos de madeira que são repassados aos ambulantes de churrasquinho em Manaus. Detalhe, o milheiro (que curiosamente tem em torno de 340 espetinhos) é vendido a R$ 3,50. Suas casas são suspensas, porque mesmo que a água não as atinja, as estacas protegem da umidade, de animais e ficam mais frescas. As crianças vão à escola sim, em barcos fornecidos pelas prefeituras.

Fiquei hospedada em frente ao arquipélago de Anavilhanas, estação ecológica transformada em Parque Nacional em 2008 e que tem mais de 400 ilhas. É o segundo maior arquipélago fluvial do mundo, só perdendo para o Arquipélago de Mariuá, em Barcelos, no Alto Rio Negro, que tem cerca de 700 ilhas. Muitas aves, cobras, jacarés, lontras, ariranhas, preguiças. Agora, se você quer ter certeza de avistar animais vá ao zoológico. A natureza brinca de esconde-esconde todo o tempo. Anavilhanas é uma área de floresta alagada, onde na cheia só as copas das árvores ficam visíveis e pode-se navegar sobre a floresta. Deve ser lindo, ainda volto na cheia. Fiquei triste com a fumaça e o cheiro de queimada que senti quando fomos de barco assistir ao nascer do sol em um dos lagos do parque. Um detalhe interessante é que, como a região está a apenas 3° da Linha do Equador, existe pouquíssima variação nos horários do nascer e do pôr-do-sol ao longo do ano.

Fiz duas trilhas durante minha estadia por lá, mas, como já falei em outro post (As belas adormecidas), não tenho familiaridade com botânica. Olho, gosto ou não da planta, mas não sei nomes, nem os populares. Então, não esperem de mim descrições sobre a flora amazônica. Andei na floresta, vi plantas especiais, como, por exemplo, uma madeira violeta linda, mas não sei nomes. Uma das poucas exceções é o pau d´alho. A denominação é autoexplicativa: ela exala um forte aroma de alho. Tem diversos usos, mas me chamou a atenção a fabricação de móveis. O odor da madeira afasta insetos e, se o cheiro diminui, lixando novamente o odor recende. Estou precisando de uns móveis assim aqui em casa. Imaginem que depois desta experiência amazônica sem uma picada de insetos, ao chegar em casa, em meia hora já havia sido “agraciada” com duas. Só preciso saber se o aroma afasta apenas os insetos ou os amigos também! Uma curiosidade: vocês sabem como é feito o curare? Os índios misturam duas plantas, dentre elas um cipó, e enterram esta química com um sapo que também é venenoso. O veneno é poderoso. Coloca-se na seta e atira-se com a zarabatana. Pimba! O inimigo cai morto!

Sobrevivência na selva? Ui! Ainda na trilha, comi um bichinho que gosta de habitar um coquinho. Acho que é uma larva de algum inseto. Nunca pensei que fosse capaz...quando você morde faz “ploc"...São estas rodinhas brancas sobre o tronco à esquerda da foto. Tem gosto de coco e é pura proteína. Ficou com nojo é? Atire a primeira pedra quem nunca comeu goiaba com bicho!


E eis que a programação incluía pescaria de piranha. Pensem numa coisa, digamos, chata...é pior....fazia um calor de cão e só consegui pescar uma!!!!!!!!! E mínima! Muito a contragosto, apresento a prova, ou melhor, as provas: de que pesquei a piranha e de que estou gorda. Triste decadência!

Agora, uma das melhores lembranças: os botos cor-de-rosa! Não sei se é correto o que é feito, mas é inesquecível estar junto destas criaturas incríveis! Em Novo Airão, em um restaurante muito, muito simples, eles vêm comer e nadar com a gente. É uma emoção única poder tocar e interagir com os botos! Para completar, depois do mergulho, fomos à
Fundação Almerinda Malaquias, um projeto social interessantíssimo, que alia educação, geração de renda e sustentabilidade. Os artesãos produzem papel reciclado e peças com resíduos de madeiras de serrarias e estaleiros da região. São peças que mostram a fauna amazônica. E ainda fomos todos de mototaxi, inclusive um casal italiano com mais de 70 anos. Ainda bem que o homem não mergulhou, pois seus bigodes esconderiam os botos!



Não sei se é possível perceber na foto, mas este é o Curumim. Ele tem o bico torto e já é um senhor. Os dois primeiros a frequentar o "restaurante" foram ele e Ricardo. Hoje são dezesseis botos cor-de-rosa.

Manaus

Prepare-se para um calor de derreter! Mas a população transforma tudo em calor humano! Os amazonenses são de uma simpatia e cortesia encantadoras. Nas ruas, nos taxis, nos hotéis, nas lojas todos são gentis, educados e estão sempre dispostos a ajudar e informar.

Impressionou-me, também, o turismo altamente profissional. Guias com conhecimento do que apresentam e fluentes em inglês, espanhol, francês, alemão. Alguém pode dizer que se não fosse assim os turistas estrangeiros, principais visitantes da região, não viriam. Eles viriam de qualquer forma, mas houve investimento em formação de mão de obra para o setor. Não sei se com o apoio do estado ou com esforço puramente pessoal, mas houve qualificação.



Quando estiver por lá, não deixe de visitar o Teatro Amazonas, o monumento que melhor representa a riqueza do período áureo da borracha. Bom, a riqueza dos barões da borracha. Os seringueiros, estes eram espoliados. Salve Chico Mendes, que trabalhou arduamente pela defesa da floresta e dos povos que a habitam! Mas, voltando ao teatro, ele foi inaugurado em 1896. São 700 lugares em uma estrutura metálica de ferro fundido. Quem executou ou encomendou a decoração e as obras de arte do teatro foi Crispim do Amaral, um pernambucano de nascimento que estudou em Paris. Foi Crispim quem pintou o pano de boca da sala de espetáculos, que representa o encontro das águas e sobe inteiro até a cúpula, sem ser amassado ou dobrado. A cúpula arrendondada é revestida com 36 mil peças de escamas em cerâmica esmaltada e telhas vitrificadas, importadas da Alsácia. Observe que as cores são as nossas cores, do Brasil. No teto central um lustre de bronze, circundado por alegorias à música, ao drama e à tragédia, além de uma homenagem a Carlos Gomes. O salão nobre é inteiramente revestido por painéis de Domenico Angelis, representando motivos regionais e ilustrações do romance O Guarany. Os portais são todos em mármore e o assoalho é um lindo trabalho de marchetaria confeccionado com madeiras da região. Os candelabros são de Murano.

No mesmo dia, visitei o antigo Quartel da Política Militar (ou Palacete Provincial) e a Praça da Polícia. Ambos passaram por um belo trabalho de restauração. O edifício do quartel abriga hoje, dentre outras atrações, a Pinacoteca do Estado, o Museu da Imagem e do Som e o Museu de Numismática. A Pinacoteca conta com o acervo Thiago de Mello, doação do poeta amazônico.

O porto de Manaus, projetado e construído pelos ingleses em 1902 para escoamento da produção da borracha, é uma obra de engenharia desafiadora, porque o desnível entre a enchente e a vazante pode chegar a 15 metros. A flutuação permite a atracação de embarcações em qualquer época do ano.


O Encontro das Águas é um fenômeno impressionante e um passeio clássico para os que vem a Manaus. Os rios Negro e Solimões correm juntos sem que suas águas se misturem por quilômetros. Ele acontece pelas diferenças de densidade, temperatura e velocidade das águas. Existe um movimento para que seja declarado patrimônio, já que a proposta de construção de um grande porto de contêineres na região o coloca em risco.

Não deixe de ir, também, ao Bosque da Ciência, que pertence ao Instituto de Pesquisas da Amazônia e é um santuário de plantas e animais amazônicos, dentre eles os peixes-boi da Amazônia ou de água doce. Mansos, com carne apreciada e reprodução lenta - apenas um filhote por gestação de um ano, eles entraram na lista de ameaçados de extinção. No Bosque, os animais resgatados são cuidados, passam por reabilitação e quando alcançam condições são devolvidos à natureza. Todo o processo está sob a responsabilidade do Laboratório de Mamíferos Aquáticos, que este ano devolveu dois exemplares aos rios. Pesquisa-se, também, a reprodução em cativeiro. Ali nasceu Erê, em 1998, o primeiro filhote concebido e nascido em cativeiro. Pois foi lá que dei mamadeira a um filhote. Pensem numa pessoa feliz, era eu! Foi uma emoção indescritível!


sábado, 21 de novembro de 2009

Thiago de Mello

Conhecido como poeta da Amazônia, Thiago nasceu em 1926 e vive em Barreirinhas no Amazonas. Vamos começar então, “ouvindo” um pouco da poesia de Thiago:

Filho da floresta, água e madeira

Filho da floresta,
água e madeira
vão na luz dos meus olhos,
e explicam este jeito meu de amar as estrelas
e de carregar nos ombros a esperança.

Um lanho injusto, lama na madeira,
a água forte de infância chega e lava.

Me fiz gente no meio de madeira,
as achas encharcadas, lenha verde,
minha mãe reclamava da fumaça.

Na verdade abri os olhos vendo madeira,
o belo madeirame de itaúba
da casa do meu avô no Bom Socorro,
onde meu pai nasceu
e onde eu também nasci.

Fui o último a ver a casa erguida ainda,
íntegros os esteios se inclinavam,
morada de morcegos e cupins.

Até que desabada pelas águas de muitas cheias,
a casa se afogou
num silêncio de limo, folhas, telhas.

Mas a casa só morreu definitivamente
quando ruíram os esteios da memória
de meu pai,
neste verão dos seus noventa anos.

Durante mais de meio século,
sem voltar ao lugar onde nasceu,
a casa permaneceu erguida em sua lembrança,
as janelas abertas para as manhãs
do Paraná do Ramos,
a escada de pau-d’arco
que ele continuava a descer
para pisar o capim orvalhado
e caminhar correndo
pelo campo geral coberto de mungubeiras
até a beira florida do Lago Grande
onde as mãos adolescentes aprendiam
os segredos dos úberes das vacas.

Para onde ia, meu pai levava a casa
e levava a rede armada entre acariquaras,
onde, embalados pela surdina dos carapanãs,
ele e minha mãe se abraçavam,
cobertos por um céu insuportavelmente
estrelado.

Uma noite, nós dois sozinhos,
num silêncio hoje quase impossível
nos modernos frangalhos de Manaus,
meu pai me perguntou se eu me lembrava
de um barulho no mato que ele ouviu
de manhãzinha clara ele chegando
no Bom Socorro aceso na memória,
depois de muito remo e tantas águas.

Nada lhe respondi. Fiquei ouvindo
meu pai avançar entre as mangueiras
na direção daquele baque, aquele
baque seco de ferro, aquele canto
de ferro na madeira — era a tua mãe,
os cabelos no sol, era a Maria,
o machado brandindo e abrindo em achas
um pau mulato azul, duro de bronze,
batida pelo vento, ela sozinha
no meio da floresta.

Todas essas coisas ressurgiam
e de repente lhe sumiam na memória,
enquanto a casa ruína se fazia
no abandono voraz, capim-agulha,
e o antigo cacaual desenganado
dava seu fruto ao grito dos macacos
e aos papagaios pândegas de sol.

Enquanto minha avó Safira, solitária,
última habitante real da casa,
acordava de madrugada para esperar
uma canoa que não chegaria nunca mais.

Safira pedra das águas,
que me dava a bênção como
quem joga o anzol pra puxar
um jaraqui na poronga,
sempre vestida de escuro
a voz rouca disfarçando
uma ternura de estrelas
no amanhecer do Andirá.

Filho da floresta, água e madeira,
voltei para ajudar na construção
do morada futura. Raça de âmagos,
um dia chegarão as proas claras
para os verdes livrar da servidão.

Voltando do Amazonas

Este post dá início a alguns relatos sobre minha viagem ao Amazonas. Atenção, foram apenas poucos dias e não uma expedição. Estive em Manaus a trabalho, muitos anos atrás, e só agora pude voltar como turista. As informações foram coletadas antes, durante e depois da viagem e espero não ter cometido muitos erros. A ideia é registrar algumas informações para uso pessoal (a memória anda curta) e, quem sabe, despertar em outros o interesse pela região. Segundo a observação do pessoal do turismo, estamos começando a descobrir a Amazônia. Hoje 50% dos turistas é do Brasil, enquanto até pouco tempo atrás este índice não chegava a 30%. Como exemplo, eu que há mais de dois anos buscava companhia para ir até lá, finalmente encontrei minha queria sobrinha Silvana também interessada. Ou seja, numa conta esquisita, a procura dobrou! Importante dizer que a viagem foi organizada pela Viverde Turismo, empresa local, muito profissional e de atendimento supersimpático. Foi tudo combinado e acertado com o Ricardo. Recomendo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Amazônia



Minha "próxima missão", parafraseando minha amiga Aninha, umas das três ilustres e formais seguidoras deste blog, é a Amazônia. Manaus e hotel de selva próximo a Novo Airão ........ vou sábado .....



terça-feira, 3 de novembro de 2009

Maria e Sri

O Sri Lanka é uma ilha no sul da Índia antigamente chamada Ceilão. Bem, quando eu era criança chamava-se Ceilão e eu adorava aprender os nomes dos países e suas capitais. Na verdade, atormentava os que estavam próximos com brincadeiras de perguntas e respostas, tais como:

- Capital do Ceilão?
- Colombo!

Gente, mudou. Colombo continua como a capital comercial, mas a capital política é Kotte (na verdade Sri Jayawardenapura-Kotte, para quem conseguir falar).

Os nascidos por lá são cingaleses, com C, por favor. A propósito, são cerca de 20 milhões de habitantes. Eles vivem num sistema de castas e fisicamente são semelhantes aos indianos, mas a religião predominante é o budismo e não o hinduísmo.

E por que estou falando do Sri Lanka? Porque minha amiga Maria caiu de encantos por um cingalês. Vou chamá-lo de Sri.

Sri é nascido em uma família de casta superior, mas sem poder econômico. São produtores rurais. Lá é uma honra para qualquer família ter um filho monge, assim como no Brasil de nossos pais ou avós era fonte de orgulho ter um filho padre ou que, pelo menos, tivesse sido seminarista. Assim, Sri foi para o monastério aos 9 anos e só saiu aos 24 !!!!!!!! Só que ele não tinha vocação para a vida monástica, se sentia oprimido e fugiu para a Inglaterra onde completou seus estudos. Parece que isto é relativamente comum por lá. Um dos amigos de Sri, por exemplo, saiu do monastério nas mesmas circunstâncias e hoje ensina sânscrito em uma universidade alemã. Depois de alguns anos, Sri retornou ao seu País, foi perdoado pela família e hoje trabalha em um organismo internacional.

Maria, minha querida amiga, conheceu Sri nas teias da área acadêmica na qual os dois militam. A título de curiosidade, Maria é loura, mas é doutora. Eu sou morena e larguei o mestrado. Definitivamente, embora seja curiosa, goste de estudar e aprender não tenho vontade de seguir a carreira acadêmica. Maria tem a academia na alma. Então, mesmo sem o rigor do método científico, arrisco dizer que "loura burra" é uma hipótese falsa.

Depois de muita conversa via e-mail e skype, Sri aterrizou no Brasil. Os primeiros dias foram difíceis, afinal culturas completamente diferentes não se encontram assim, assim. Mas havia uma viagem programada e lá foram eles. A programação incluía, além de Brasília, Salvador, Rio, Rio-Santos e São Paulo. E não é que Sri se revelou ?!?!?!?!

Em Salvador, o Olodum Mirim deixou nosso “quase monge” enlouquecido. No Rio de Janeiro fotografou tantas mulatas no ensaio da Beija-Flor, que Maria ficou preocupada e enciumada. Em Paratii, tirou Maria para dançar em plena praça! Esse Sri, hein!!!!!!!!! Ele só não se mostrou totalmente integrado quando apareceu uma barata no quarto de hotel de Paratii:

- Maria (em pânico): “Sri, tem uma barata, uma cucaracha na cama ao lado! Ai, Meu Deus, cucaracha é espanhol, como é mesmo barata em inglês? (já desesperada) Tem um inseto aqui!!!!!!!”
-Sri (suavemente): “Maria, não devemos matar seres vivos.”
-Maria (nervosa): “Homens no Brasil matam insetos! É papel masculino!”
-Sri: “Deixe ela ir.”

Maria só conseguiu dormir depois que a barata, a cucaracha, a cockroach, tanto faz, desapareceu e ela embrulhou-se como pode no lençol e no próprio Sri! Talvez tenha sido o maior choque cultural de toda a viagem!

E Sri embarcou de volta para o Sri Lanka........... Maria ainda não sabe se irá até lá. Sri pensa em passar uns tempos por aqui estudando português. Como dar seguimento a este romance transcultural, transcontinental, transoceânico?